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Serviço público e vida privada: quem define os limites?

Serviço público e vida privada: quem define os limites?

Data: 17 de julho de 2023

Repercussão de fotos de servidora nas redes sociais traz à tona o desejo pelo controle dos corpos femininos

Recentemente, um intenso debate sobre o controle da vida privada e liberdade individual ganhou destaque em torno do caso envolvendo uma servidora de uma instituição púbica do Espírito Santo após ela postar em suas redes sociais fotos sensuais. O cerne da questão não é apenas ética, mas sim uma discussão sobre moralidade e os limites do que as mulheres podem ou não fazer com seus próprios corpos.

A diretora do Sinasefe Ifes, Samanta Lopes Maciel, lembra que a controvérsia levantada neste caso remete à moralidade machista e misógina que permeia a sociedade em geral, tendo efeitos no ambiente de trabalho também. É uma moral que, historicamente, autoriza os homens a controlarem as mulheres e, ao mesmo tempo, dá a eles o “direito” de questionar as escolhas femininas em relação ao próprio corpo.

“O foco central do debate precisa estar no controle que as instituições exercem sobre a vida privada das/os trabalhadoras/es. Por que causa tanto incômodo o que fazemos na esfera pessoal, principalmente quando se tratam das mulheres? Existe um patrulhamento constante em relação ao comportamento feminino fora do ambiente de trabalho, o que evidencia a necessidade de se discutirmos essa temática. Até que ponto o empregador tem o direito de interferir na vida pessoal de funcionárias/os?”, questiona.

Samanta propõe uma reflexão: “Será que quando uma pessoa publica conteúdo racista ou homofóbico, por exemplo, o empregador vai ser tão incisivo quanto na questão em tela? É notório que não há o mesmo tratamento em relação aos corpos femininos”.

O Sinasefe Ifes entrou em contato com a servidora envolvida no caso, oferecendo solidariedade e auxílio jurídico. Além disso, o Sindicato toma a iniciativa de trazer a pauta ao conhecimento da categoria como forma de estimular o debate e promover uma reflexão sobre o tema da misoginia e do machismo dentro do ambiente de trabalho.

Denúncia

A servidora pública, que terá seu nome preservado, relatou em entrevista que pouco sabe sobre um processo disciplinar interno que corre contra ela originado a partir de uma denúncia. Informou também que não recebeu qualquer comunicação oficial da Instituição a qual se vincula, tendo tomado conhecimento da existência do processo por terceiros e do andamento pelos veículos de imprensa. Ela também não foi ouvida e não sabe ao certo o teor da denúncia feita.

A informação oficial que a instituição, à qual a servidora se vincula, repassou à imprensa é de que a denúncia estava sendo analisada na fase de “procedimento preliminar” pela Comissão de Ética, conforme o Código de Ética Profissional do Servidor Público. Apesar de afirmar não se tratar de um processo administrativo que possa resultar em punição, a mesma nota fala que “caso seja constatada uma infração ética, é proposto um acordo para que a pessoa denunciada faça ajustes em relação ao que for necessário”. A nota também diz que o andamento corre em sigilo, apesar da denúncia ter sido vazada e da própria instituição ter enviado informações oficiais aos veículos de comunicação.

“Não fui ouvida e nem comunicada sobre as medidas que estão sendo tomadas em relação a mim. Fiquei sabendo do processo por meio de terceiros. Fiquei sabendo que haveria uma decisão no dia 30 de junho, mas até agora não fui comunicada de nada”, informa a servidora.

Machismo

Ela ressalta que sua conduta pessoal não interfere nas suas obrigações profissionais, que sempre desempenhou com excelência. “Sou coordenadora de projetos, com captação de recursos externos, inclusive. Meu trabalho é elogiado e reconhecido pelos alunos e pela instituição. Se fosse servidora do sexo masculino, a repercussão e a abordagem do processo provavelmente seriam diferentes”.

Segundo a servidora, já foram registrados casos envolvendo servidores do sexo masculino com condutas mais questionáveis, incluindo assédio, sem que houvesse uma resposta adequada. “Essa visão do passado de uma mulher virtuosa e recatada não se encaixa mais nos tempos atuais. Não se pode determinar minha postura fora da rotina de trabalho. Não devemos misturar as coisas”, enfatiza.

Moralismo

A professora e coordenadora do curso técnico em Administração do campus Guarapari do Ifes, Andrea Maria de Quadros, que também é presidente do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gêneros e Sexualidades (NEPGENS) do mesmo campus, lembra que o caso levanta questões importantes sobre o julgamento moral. “Tal percepção pode ter influenciado o julgamento moral de algumas pessoas ao se depararem com fotos da servidora no OnlyFans”.

Andrea explica que o OnlyFans é um serviço de conteúdo por assinatura, criado em 2016 em Londres, que hospeda criadores de conteúdo de entretenimento adulto, além de abordar temas como nutrição, música, ioga e moda. A plataforma remunera os produtores de conteúdo, enquanto os assinantes pagam para ter acesso aos serviços. O negócio é regulamentado e possui regras específicas para garantir a privacidade e segurança dos usuários, que devem ser maiores de 18 anos.

“É importante destacar que apenas assinantes maiores de idade têm acesso aos conteúdos disponibilizados na plataforma. Portanto, não há violação ética por parte da servidora. Além disso, cabe refletir sobre o papel de gestoras/es em fiscalizar e julgar o que servidoras fazem em seus momentos de folga. Se ela optasse por dirigir carros de aplicativos, por exemplo, haveria uma reação diferente?”, questiona.

A coordenadora do NEPGENS defende que a discussão em torno desse tema perde sentido ao se tornar puramente moral. “Vivemos em um país livre, onde as pessoas têm o direito de escolher qual aplicativo utilizar, quanto pagar pelos serviços e quem receberá sua atenção. Se fosse um homem, o julgamento moral não aconteceria. A eles é dada a possibilidade de monetizar seus corpos, seus capitais físicos, suas belezas, sem serem taxados de pessoas de ‘pouca moral’. Por que mulheres têm a sua reputação abalada por julgamentos morais de suas fotos, enquanto a beleza masculina é celebrada e aplaudida? Talvez estejamos com nossas lentes ‘embaçadas’ por preconceito, raiva e inveja. Talvez estejamos presos ao passado e não sejamos capazes de enxergar o novo”, concluiu.

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