Notícias

Entrevista – Chávez e a politização da classe trabalhadora

Entrevista – Chávez e a politização da classe trabalhadora

Data: 13 de março de 2013

A politização da classe trabalhadora foi a grande herança de Hugo Chávez para a Venezuela. A avaliação é do professor Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, do Departamento de Política da PUC-SP e editor da Revista Lutas Sociais, da mesma universidade.

Para o professor Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, o incentivo à politização foi a grande herança do presidente à Venezuela

Segundo o professor, as políticas sociais implementadas por Chávez foram essenciais para ajudar a transformar a realidade do país. Entretanto, o aumento do nível de consciência da população foi o que realmente permtiu a continuidade do processo. “[A politização] produz ávidos leitores da Constituição e foi fundamental para derrotar, em 2002, um golpe de Estado que praticamente todo mundo já considerava vitorioso”, diz.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Almeida destaca as principais contribuições de Hugo Chávez, aponta perspectivas para o futuro da Venezuela e já garante: “O que ocorrer na Venezuela não terá implicações somente para este país. Afetará a correlação de forças em escala continental”.

Leia a seguir.

Brasil de Fato – Como você avalia os 14 anos de governo Chávez?

Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida – Muito positivamente. Nestes quase 15 anos, o governo Chávez produziu fortes impactos sobre a sociedade venezuelana e sobre as relações internacionais. Houve grande redução da pobreza e do analfabetismo na Venezuela, ao mesmo tempo em que os burgueses mais reacionários (grandes proprietários dos meios de comunicação) sofreram derrotas inimagináveis. O processo cubano, à beira da exaustão, teve um novo alento, não somente porque a ilha recebeu o petróleo de que tanto necessitava, mas também por fornecer médicos e educadores que contribuíram para a elevação do padrão de vida e da formação cultural de amplos contingentes das classes populares venezuelanas. A América Latina, o antigo quintal dos EUA, tornou-se, no imediato pós-Guerra Fria, um dos principais obstáculos à construção de uma “nova ordem” imperial graças, em grande parte, à atuação do governo Chávez. Neste caso, podemos citar as políticas efetivamente voltadas para a integração do subcontinente, com destaque para o combate à ALCA e a criação da ALBA, além do apoio a governos que expressaram alianças mais à esquerda. Pelo próprio fato de existir, o governo Chávez deixava os dirigentes da política externa estadunidense com uma agenda sobrecarregada: de um lado, questões candentes no Oriente Médio; de outro, um governo venezuelano rebelde e dotado de grande capacidade de articulação no subcontinente. E o governo Chávez fez mais. Sempre que pôde, partiu, com os pequenos recursos de que dispunha, para a ofensiva. Tomou a iniciativa de rearticulação da OPEP; apoiou decididamente a luta do povo palestino, chegando a expulsar o embaixador de Israel quando as forças armadas deste país invadiram a Faixa de Gaza; corajosamente, estreitou relações com o Irã. Enfim, aproximou-se da China e da Rússia, até para evitar o total controle estadunidense sobre o armamento venezuelano; e afrontou publicamente o presidente dos Estados Unidos na Assembleia da ONU, além de fornecer ajuda material à parte da população pobre do país mais poderoso do mundo. Toda esta política foi legitimada por sucessivas vitórias nas urnas (com o percalço do plebiscito de 2007) frente às quais a direita venezuelana e os dirigentes estadunidenses perderam qualquer capacidade de iniciativa. Indivíduos ou governos não fazem a História, e o mais importante mérito do governo Chávez consistiu em tirar grande partido de uma situação marcada por amplos movimentos de massas do sul do México à Argentina, passando pela própria Venezuela, alguns dos quais produziram governos de centro-esquerda e de esquerda na América Latina; e das contradições de um período marcado por fortes resistências às tentativas de constituição de uma ordem imperial.

Em qual área, na sua avaliação, foram implementadas as medidas mais importantes?

Muitos dão ênfase às políticas sociais, mas destaco a politização das classes populares, a qual embora ainda sofra sérias limitações. Politização que produz ávidos leitores da Constituição e foi fundamental para derrotar, em 2002, um golpe de Estado que praticamente todo mundo já considerava vitorioso. O grande problema está nas relações entre a amplitude (e, às vezes, imprecisão) dos objetivos que o governo Chávez se propôs e o déficit organizacional destas classes populares, especialmente dos trabalhadores venezuelanos no campo e na cidade. Minha imensa admiração pelo governo Chávez não me leva a considerar que existe, na Venezuela, um processo de revolução socialista. Constitui-se, a meu ver, uma coalizão de forças antineoliberal sob a direção de um setor radicalizado da burocracia de Estado, especialmente no ramo militar. Diversas forças imprimem a esta coalizão uma tendência antiimperialista e mesmo anticapitalista. Mas, contrariamente ao que o discurso bolivariano apresenta, o que predomina é um forte nacionalismo de caráter antineoliberal. Não é pouco.

Qual a importância do governo Chávez para a integração da América Latina?

Nunca um governo atuou tanto nesta direção. Porém, o governo Chávez não poderia superar poderosos obstáculos a um projeto de integração latinoamericana com predominância dos interesses populares. Para mencionarmos apenas o caso de três países – Brasil, Argentina e México – neles encontramos sociedades de considerável desenvolvimento capitalista, com Estados burgueses bem estruturados e que organizam o poder político de uma burguesia que conta com a presença direta de frações imperialistas, além de outras fortemente vinculadas ao imperialismo nos planos econômico, político e ideológico. Longe de ser algo externo, o imperialismo é parte constitutiva destas três formações sociais. E longe de serem homogêneas, são sociedades marcadas pela presença de interesses contraditórios. Uma integração que privilegie os interesses das classes populares passa por profundas mudanças nas relações de classes no interior das sociedades latino-americanas. Isto implica mudanças não somente de governos, mas que afetem profundamente a própria estrutura dos Estados na região.

Quais as perspectivas para a Venezuela?

A própria força da presença política de Hugo Chávez contribuiu para deixar uma série de questões em aberto. A primeira delas é se a coalizão bolivariana se manterá e, em caso positivo, se ocorrerão mudanças em sua correlação interna de forças. No curto prazo, na medida em que a intervenção operária e popular autônoma se fará necessária até para a defesa dos avanços realizados nesta década e meia, esta relação ficará mais clarificada. De qualquer forma, o que ocorrer na Venezuela não terá implicações somente para este país. Afetará a correlação de forças em escala continental. Basta pensar na situação de Cuba. Está em jogo a possibilidade, por um lado, de aprofundamento das lutas antineoliberais e antiimperialistas na América Latina em um momento de crise capitalista na Europa e Estados Unidos. No sentido oposto, apresenta-se o risco de novas aventuras estadunidenses com vistas a constituir um eixo geoeconômico que se estenderia do México à Amazônia. Qualquer dessas tendências – ou algo intermediário – terá importantes repercussões de alcance mundial. A luta por transformações sociais no Brasil passa pelas mais diversas formas de apoio ao proletariado e ao povo venezuelanos. Nunca o internacionalismo latinoamericano foi tão necessário.

Fonte: Brasil de Fato.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo