Greve nas Federais: Aspectos Jurídicos, Políticos e Conjunturais
Data: 14 de junho de 2012
“Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem” – Berthold Brecht
Diante das greves que estão se alastrando país afora, tanto dos docentes e servidores de Instituições Federais do Ensino Superior como a dos trabalhadores do transporte público, vêm à tona o velho debate em torno do direito à greve, sua legitimidade e interpretações a seu respeito.
Por definição ‘greve’ é a suspensão temporária e coletiva do trabalho condicionado à aprovação da entidade representativa da categoria (sindicato), mediante assembleia com o intuito de reivindicar melhores condições de trabalho, ampliação dos direitos ou evitar a perda de benefícios. Esse direito está assegurado pelo artigo 9º da Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei 7.783 de Junho de 1989 e prevê que, após ocorrerem tentativas frustradas de negociação, é facultado aos trabalhadores o direito a greve.
Na prática, percebe-se que, mais do que uma forma legal de manifestação do trabalhador por melhorias, a greve se constitui como um importante instrumento de mobilização em prol de interesses coletivos. Isso, por sua vez, credita a ela um caráter não só de luta política contra as instituições que oprimem os trabalhadores, mas também como exercício de cidadania, direitos humanos, identidade coletiva e solidariedade.
Responsabilidade do Estado
Nos dias de hoje, cada vez mais as pessoas estão sendo condicionadas a pensar somente em si próprios. E há uma grande parcela de culpa do Estado em relação a isso. O que temos visto, sobretudo com as reformas ocorridas pós-90, é a redução da responsabilidade da esfera pública sobre o bem-estar social e a garantia de serviços básicos como educação, saúde, previdência e habitação que tem sido paulatinamente transferido à responsabilização das famílias. Dia após dia percebemos que o governo atua, de alguma forma, para reduzir os gastos sociais sob o pretexto da necessidade de equilibrar as contas públicas!
Conforme destacou o jornal ‘O Globo’ de 27/05, Espanha, EUA e Chile passaram, num passado não muito distante, por reformas (des) estruturais no ensino superior, substituindo as universidades públicas tradicionais por programas de bolsas e financiamento público estudantil aos ingressantes em instituições privadas (equivalentes ao PROUNI e FIES no Brasil) e, atualmente, a realidade mostra que a formação superior nesses países está cada vez mais inacessível às classes média e trabalhadora.
Ato Político
A greve atual dos docentes e servidores da IFES trata-se, portanto, de um ato político contra essas reformas que estão tirando direitos dos cidadãos e responsabilidades atribuídas historicamente ao Estado. Logo, apoiá-la significa resgatar o sentido histórico da solidariedade, olhar para o outro como o reflexo de si mesmo e pensar que os benefícios conquistados por aqueles que se dispõe a reivindicar são compartilhados por todos!
Vejamos pelos salários o quão os serviços públicos ligados à educação, saúde e assistência social estão à margem das preocupações atuais do estado: Sinasefe (na foto ao lado da reportagem).
Percebe-se a partir do gráfico que as atividades ligadas à seguridade social e educação estão entre as mais mal remuneradas, enquanto as funções relacionadas à manutenção da ordem e ao controle burocrático e jurídico-institucional são as que pagam melhor. Os professores do ensino superior, por exemplo, não só são os servidores públicos federais com doutorado mais mal remunerados do Brasil, como detém salários inferiores a diversos cargos que exigem apenas ensino médio ou superior. Diante dessas constatações podemos nos perguntar: Que tipo de estado estamos constituindo? Políticas sociais e educação ainda se constituem como políticas universalizantes e de interesse público?
Muito além da aparente visão de que as reivindicações são meramente salariais, os professores estão lutando pela melhoria das condições de trabalho e manutenção da educação pública, gratuita e de qualidade. O Projeto de Lei 2203/2011 proposto pelo governo prevê, por exemplo, a remuneração complementar de professores mediante projetos financiados pela iniciativa privada. Ainda que isso possibilite um salário maior aos professores que sujeitarem a tais práticas, esta proposição compromete a estrutura e o caráter da universidade pública que deve estar comprometida com ensino, pesquisa e extensão pensados em prol da sociedade e não dos interesses do setor privado.
Infraestrutura
Quanto às condições de trabalho, pode-se inferir que, se por um lado o governo propagandeia a expansão de vagas nas IFES através de um programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – o Reuni, por outro, não providenciou os investimentos necessários em infraestrutura, superlotando salas de aula e chegando ao cúmulo de improvisar salas e secretarias até dentro containers como acontece nos campus de Rio das Ostras e Campos de Goitacazes da UFF. Também falta pessoal, mas, ao invés de planejar a reposição do corpo docente, o governo está propondo um plano de carreira que obriga o professor a cumprir uma carga horária maior a fim de minimizar a escassez de professores à custa da precarização do trabalho docente.
Outro problema enfrentado por aqueles que reivindicam mudanças e que também contribuem enormemente para as pessoas se posicionarem contra as greves advém das forças ideológicas conservadoras em defesa dos interesses privados daqueles que estão na outra ponta da reivindicação veiculadas de diversas forma, sobretudo, pela grande mídia. Terça-feira, dia 15/05, foi noticiada a greve dos ferroviários da seguinte forma: “Greve do transporte público atinge 6 capitais e prejudica os trabalhadores”! Não seria essa uma metáfora para chamar os grevistas de vagabundo? Seguindo a mesma linha editorial a TV Globo noticiou uma manifestação ocorrida no dia 05/06 com mais de 10 pessoas, destacando um fato isolado ocorrido entre um pequeno grupo de estudantes com a polícia!
Mas porque a grande mídia, ao noticiar essas questões, ao invés de expor as reivindicações, ajudar a pressionar por mudanças ou, ao menos, expor os dois lados da moeda, o fazem dessa forma, jogando uns trabalhadores contra outros ou denegrindo a imagem dos manifestantes e ou das reivindicações?
Há uma clara intencionalidade em descredibilizar os manifestantes, primeiro porque esses veículos de comunicação estão exercendo seu poder de persuasão e de formação de opinião em favor dos interesses dominantes e, segundo, porque essa é uma excelente forma de tirar a identidade solidária e coletiva da manifestação, bem como de conduzirem as pessoas a caírem na infeliz armadilha de culpar aquele que reivindica a redução de injustiças ou melhorias de condições de trabalho (nesse caso os grevistas) e não os seus patrões que os mantém com salários baixos e direitos aquém do necessário ou merecido para o exercício das profissões dos manifestantes!
Sem Diálogo
É esse também o interesse do governo ao manifestar publicamente que não irá negociar com grevistas! Contudo, em tempos de trégua, o diálogo também não acontece, haja vista que as negociações a respeito da reestruturação da carreira docentes iniciaram em agosto de 2010 tendo como ponto de partida uma proposta do governo pior que o plano de careira atual e, de lá para cá, não houve nenhuma sinalização dos representantes públicos em atender às demandas levantadas pela categoria.
Portanto, posicionar-se a favor da greve é também se negar a reproduzir um discurso ideológico e hegemônico contrário ao direito à livre manifestação cidadã de se reivindicar melhorias, bem como ao de pressionar governos e empregadores quando se sentirem prejudicados.
Por fim vale ressaltar que, apesar do governo argumentar falta de recursos e restrição orçamentária, o cenário macroeconômico é extremamente favorável. O crescimento econômico e as políticas adotadas pelo governo possibilitou aumento de 19% na arrecadação pública no último ano, acumulação de superávit primário na ordem de R$ 45 bilhões somente nos quatro primeiros meses de 2012 e, segundo a economista e professora da UFRJ Denise Lobato Gentil, a política atual de queda na taxa de juros propicia uma economia de cerca de R$ 11 bilhões para cada ponto percentual baixado na Selic. Por outro lado, a professora destaca que o percentual gasto com folha de pagamento em relação à receita Líquida do Setor Público tem se reduzido e as reivindicações de reestruturação no plano de carreira não passam de R$ 6 bilhões. Se a isso for somado um montante de R$ 2 bilhões para gastos com investimentos, tal como foi proposto pela associação de reitores das 59 IFES ao ministro da educação Aloízio Mercadante, as reivindicações não somente são plausíveis perante o cenário de acúmulo público de riquezas atual como representam menos de 0,2% do PIB. Portanto, pode-se inferir que, para o governo, ‘nem caro é’!
Considerando-se, portanto, todos os argumentos políticos, orçamentários e jurídicos em favor da greve, espera-se do governo o atendimento das demandas dos servidores públicos e que todos os professores ligados às IFES façam valer aquele velho ditado de que “o direito de um termina onde começa o direito do outro”, assumindo então a greve como um direito legítimo e democrático concedido por lei e, mais do que isso, como um instrumento histórico de luta por bem-estar social em que diversos trabalhadores pagaram com suor e, as vezes, sangue em prol de benefícios usufruídos por todos os cidadãos brasileiros!
Via Caros Amigos.
José Luiz Alcantara Filho é professor assistente da Universidade Federal Fluminense e mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa (MG)