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Um espectro ronda as universidades federais: o espectro da greve geral

Um espectro ronda as universidades federais: o espectro da greve geral

Data: 13 de junho de 2012

Na realidade, o espectro da greve geral ronda todo o funcionalismo público

Um dos mais importantes textos políticos do século XIX inicia com a frase “um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”. Trata-se do Manifesto Comunista, de Marx e Engels, e seu famoso chamado para a união de todos os trabalhadores do mundo. Outro texto, já não tão famoso, mas escrito por um dos grandes líderes revolucionários do século XX diz: “as greves ensinam os operários a se unirem”. Aqui, a frase é de Lênin, em sua análise “Sobre as greves”.

E o que têm estas duas idéias a ver com o nosso momento atual brasileiro?

É certo que não estamos na Europa. Também é certo que o “dragão da revolução” não está a esquentar nossas orelhas com seu hálito. No entanto, um espectro vigia nossas ações e um ensinamento se difunde ante estes curiosos olhos. Um fantasma – ou espectro – parece se avizinhar das classes populares e trabalhadoras no Brasil e, pelo jeito, escolheu montar acampamento justamente no bairro continental do ensino superior.

Um histórico de reuniões inconclusivas

Em 26 de gosto de 2011, um termo de acordo foi assinado entre o governo federal e os professores organizados em suas entidades representativas em nível nacional, por conta do esboço de greve. O conteúdo do acordo dizia respeito, basicamente, à reivindicação dos docentes das instituições federais de ensino superior: a reestruturação de suas carreiras. Na esteira de tal reivindicação, um “acréscimo” salarial de 4% para os professores e a incorporação de algumas gratificações a seu vencimento básico – tudo isto como “primeira etapa do processo de reestruturação das carreiras”, para utilizar as exatas palavras do acordo.

As etapas seguintes do referido processo se dariam em conformidade à constituição de um grupo de trabalho a partir do qual o governo federal, representado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e pelo Ministério da Educação (MEC), e os professores representados pelos seus sindicatos nacionais, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) e o Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior (PROIFES), discutiriam uma proposta de negociação acerca da carreira docente até o final de março de 2012.

A partir daí, uma verdadeira saga de reuniões inconclusivas marcaria o processo de “negociação”. Entre agosto e dezembro, duas reuniões desmarcadas e quatro encontros sem encaminhamentos concretos deram a tônica dos próximos momentos. O falecimento do Secretário de Recursos Humanos do MPOF, Duvanier Paiva Ferreira, nesse meio-tempo, aumentou as dificuldades, sendo que só em 29 de março de 2012, já com o novo secretário do MPOG, Sérgio Mendonça, um novo encontro foi realizado. Assim, pode-se perceber que as tratativas não estavam indo bem e o prazo do acordo se esvaiu.

Um novo prazo foi estabelecido pelo governo federal para o final de abril. Entretanto, a reunião deste mês permaneceu no mesmo patamar das anteriores: zero.

Diante destes fatos, os professores passaram a se mobilizar intensamente a nível nacional e começaram a considerar que o que era acordo virou protelação. Assim surgiu a data de 17 de maio como o início da construção da 18ª greve nacional da história dos docentes, a qual iniciou com adesão de 39 instituições.

Tão significativa a interpretação que o movimento docente deu ao processo de negociação, considerando-o como meramente protelatório, que rapidamente as forças governamentais tiraram da cartola legislativa uma medida provisória (a MP 568), concedendo os prometidos 4% de acréscimo, no dia 14 de maio, quando os termos do acordo indicavam o final de março para isso se dar. A desculpa: a imprevisibilidade que caracteriza o processo legislativo.

Há que se ressaltar, porém, que a Medida Provisória soou como achaque aos docentes, pois veio à luz no exato momento em que ocorriam as assembleias de deflagração de greve. A greve de 2012 é uma consequência de greves regionalizadas em 2011, as quais não tiveram por base um “reajuste”, mas sim a melhoria das condições de trabalho e a reestruturação da carreira – ambas as reivindicações desconsideradas pela MP 568 cujo resultado foi, inclusive, seu oposto, resultando em prejuízo para os profissionais (inclusive docentes) que têm direito a receber adicionais de insalubridade e periculosidade, já que, em alguns casos, chegou a reduzir o valor de tais adicionais.

 

As reivindicações dos professores

A greve em 2012 iniciou-se com três meses de antecedência com relação ao esboço paredista de 2011. Por quê? Na institucionalidade brasileira há uma amarra bastante eficiente no que toca a reajustes salariais do funcionalismo público: a regulamentação orçamentária. Até o final de agosto de cada ano (no burocratês, chama-se “exercício”), deve ser aprovada uma Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano seguinte, na qual estão previstos os futuros gastos públicos. Por isso, o desenho de greve em 2011 não pôde prosperar, pois havia o prazo legal a impedir avanços. Em 2012, o movimento docente se adiantou a este processo e deu o ponta-pé na greve em maio.

Mesmo não sendo a reivindicação primeira desta greve o aumento salarial, mas sim a reestruturação da carreira, é fácil entender que esta reestruturação só é possível alterando-se a gestão do dinheiro público. No caso, a proposta mais madura dos professores (proveniente do ANDES-SN) demanda a unificação da hoje cindida carreira do magistério superior com os professores do ensino básico, técnico e tecnológico, assim como reclama um cargo único organizado em 13 níveis. Esta proposta coloca em primeiro plano a necessária totalidade e incindibilidade de uma carreira estratégica para o desenvolvimento e planejamento do país. A totalidade verifica-se na extinção das classes, baseadas na titulação como mérito individual e não como investimento público (em geral, professores “auxiliares” são os apenas graduados; “assistentes”, os mestres; “adjuntos”, os doutores; já os associados são oriundos da última reforma da carreira, a qual apontava, inclusive, para a criação de mais uma classe, a sênior, sensatamente já retirada de pauta pelo governo). Por outro lado, a incindibilidade se vê com a negação da classe de professor titular, hoje a mais alta da carreira, mas que implica, para os professores já inseridos na estrutura, uma exoneração e uma nova contratação, com reflexos previdenciários perceptíveis. Assim, dos atuais 21 passos na carreira, passaríamos a 13, com intervalos de 2 anos entre eles e com diferenciação salarial em 5%.

Mais, porém, que esta pauta “conceitual” em torno da carreira, há outras igualmente importantes e de visualização mais imediata, como se percebe na reivindicação por um programa de capacitação permanente (uma “lacuna” imperdoável para um sistema educativo), na existência de gratificações por funções administrativas e, principalmente, no estabelecimento de um piso gerador, definido legislativamente a partir da data-base anual de 1º de maio, e o salário mínimo apresentado pelos estudos do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em R$ 2.329,35 para o professor de 20 horas, com 210% disto para o professor com dedicação exclusiva.

É evidente que se trata de uma proposta que quer reivindicar a carreira planejadamente, mas não se abstém de mostrar a possibilidade e a concretude desta mesma pauta.

 

Todos os SPFs juntos?

As demandas dos professores, entretanto, não existem apartadamente com relação aos demais trabalhadores do serviço público no Brasil. Na realidade, o espectro da greve geral ronda todo o funcionalismo público, que já conseguiu reunir 29 entidades nacionais e 3 centrais sindicais em torno da greve dos servidores públicos federais (SPFs) no 11 de junho, segunda-feira passada.

Não é fácil obter êxito nesta esfera, mas de todo modo vale a pena acompanhar a movimentação destes trabalhadores que não são uma elite estamental como o discurso faz querer crer, mas antes são dos poucos que conseguiram manter conquistas históricas, resistindo contra o fim da estabilidade no emprego, por exemplo. Ainda assim, algumas derrotas vêm sendo infligidas e a principal delas é reapresentação de proposta de privatização da previdência, com a criação da FUNPRESP (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais).

Após 2 anos sem recomposição salarial, os SPFs pedem reajuste de 22,08% e uma política permanente de reposição remuneratória e de quadros. Como parte integrante deste segmento da classe trabalhadora encontram-se os professores das instituições federais de ensino superior.

 

Os problemas locais e o direito de greve

É sempre sensível o fato de que todo o problema estrutural da carreira docente, ao nível federal, repercuta diretamente nas condições locais de trabalho. A tarefa pedagógica costuma ficar mais pesada ainda quando atribuições didáticas excedem as 30 horas/aula semanais; quando as salas apresentam-se superlotadas de estudantes; quando não há políticas transparentes para a distribuição de contratações de professores nos setores universitários, derivada da instauração do professor-equivalente como política pública de precarização da educação pública nas instituições federais de ensino superior (IFES); quando as universidades se fragmentam e tornam-se subservientes ao empreendedorismo e à inovação em detrimento do pilar de três faces (ensino-pesquisa-extensão).

É por isso tudo que, por exemplo, na Universidade Federal do Paraná luta-se por uma representativa pauta local. Na verdadeira escola que significa uma greve, há de se dar concretude ao universal, compreendendo que não há dicotomia ontológica entre o concreto e total. Daí a representação dos professores da UFPR ser pelas 12 horas máximas em sala de aula, uma política para mudança do regime de trabalho, uma assembleia estatuinte e constantes melhorias nas condições da pesquisa e da extensão, que não devem estar a reboque do ensino.

Mais que isso, contudo, a pauta local durante uma greve nacional permite a formação da militância de centenas e milhares de professores que, mesmo sendo substitutos ou em estágio probatório, têm a certeza de que podem exercer seu direito de greve. Ainda que as instituições estatais não raras vezes venham a passar outra lição, como a da restrição do movimento grevista por decisão judicial, quanto ao seu conteúdo e alcance; dos atos antissindicais, que perseguem e desmobilizam trabalhadoras e trabalhadores; as astúcias jurídicas que conseguem proibir uma greve antes mesmo dela ocorrer, como no caso do “Interdito proibitório”; ou, no que diz respeito mais de perto ao serviço público, a retórica da essencialidade deste trabalho redundando na impossibilidade de greve integral.

A conjuntura e o espectro

O saldo nacional da greve, até agora, conta com 51 IFES paralisadas. Além disso, 21 universidades federais localizadas nas capitais dos estados brasileiros estão em greve: todas da região Norte; 7 do Nordeste; 1 do Sul; 3 do Centro-Oeste; e 3 do Sudeste. Logo, apenas 6 estão de fora. Não que as federais das capitais sejam mais importantes e mereçam mais deferência. Ao contrário, já que é indicador de que todo o sistema de ensino federal apresenta defasagem e descontentamento de seus docentes, e não apenas os institutos federais ou as federais interiorizadas, como creem alguns céticos de plantão.

As demais federais nas capitais têm seguido a baliza do PROIFES, que propõe um plebiscito sobre a deflagração da greve (como no caso da Universidade Federal do Ceará – UFC e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN). Eloquente é o fato de que uma universidade com seção sindical neste mesmo sindicato nacional tenha rejeitado a proposta (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS). Ainda se espera uma posição mais firme da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Todavia, a universidade está com assembleia marcada para a próxima quinta-feira (14), para discutir o indicativo ou a deflagração mesma (uma greve existe 48 horas após uma decisão de deflagração de greve que pode ser antecedida de uma decisão de indicativo de greve, ou seja, o indicativo é menos forte que a deflagração).

Esta conjuntura, que certamente terá novos enquadramentos nesta semana, demonstra que é inegável a importância da unidade das categorias de trabalhadores assim como seu horizonte de totalidade. A existência de dois sindicatos nacionais – o ANDES e o PROIFES – evidencia que há projetos em disputa e não necessariamente os dois projetos são válidos. Os recentes episódios, em Goiânia, na Universidade Federal de Goiás (UFG), comprovam-no. Enquanto a diretoria da seção sindical dificultava a realização da assembleia que ia discutir a greve, querendo expulsar os professores não-sindicalizados e os estudantes presentes no auditório, a “base” dos professores, sequiosa por um posicionamento efetivo da categoria no contexto de paralisação nacional, acaba assumindo a condução da assembleia, não sem fortes discussões e até mesmo agressões físicas recebidas por parte dos defensores do sindicato. Foi um verdadeiro atropelamento (no melhor dos bons sentidos!) da base por cima da direção retaguardista.

Vários professores têm se pronunciado publicamente e o nível de unidade que se conseguiu alcançar até agora não deixa de ser interessante. A ode ao destempo, por Roberta Traspadini, no texto “Greve já” (da Radioagência NP – http://www.radioagencianp.com.br/10788-greve-ja); a crítica à proposta do docente-empreendedor, por Roberto Leher em “O governo Dilma, a greve nacional dos docentes e a universidade de serviços” (na revista Consciência.net – http://www.consciencia.net/o-governo-dilma-a-greve-nacional-dos-docentes-e-a-universidade-de-servicos-por-roberto-leher/); ou a resposta de Marcelo Badaró aos tradicionais e também novos argumentos antigreve, no artigo “Algo de novo no reino das Universidades Federais?” (no Correio da Cidadania – http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7196:submanchete280512&catid=72:imagens-rolantes); todos convergindo na crítica aos desestruturados projetos de expansão das IFES, bem como todos acentuando a necessidade da greve como uma das armas no combate contra a precarização do ensino público.

Assim como Marx e Engels, no “Manifesto”, apontavam para o fato de que nem todo espectro é metafísico; e assim também como Lênin dizia que a as greves são “escolas de guerra” apesar de ainda não serem a “própria guerra”; é possível responder ao ministro da Educação do turno e dizer que as pautas da atual greve docente (a melhoria das condições de trabalho e a reestruturação da carreira) não são abstratas, ao contrário, são bem concretas. Desde 2010, as “negociações” foram abertas e, até agora, não houve nada, nem mesmo o cumprimento dos prazos. Desculpas de todo gênero foram dadas: a morte do secretário (dentro de uma estrutura burocrática muito maior que um de seus comissionados) ou a lentidão do Legislativo (sendo que a iniciativa da LDO e da discussão da carreira competem ao Executivo). Mas as fileiras engrossam e os servidores técnico-administrativos em educação já estão a postos, assim como os estudantes em mais de 40 instituições. Enfim, um espectro ronda as IFES, o espectro da greve geral.

Ricardo Prestes Pazello é professor do departamento de direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integra o conselho do Brasil de Fato em Curitiba.

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